Dar e Receber

20/09/2011 22:14

 

 Quando eu participava de um grupo em uma casa espírita, todos os meses
 doávamos alimentos para compor cestas básicas que eram distribuídas às
 famílias carentes da comunidade.
 A cada mês, um grupo se encarregava de trazer arroz, outro, feijão, e
 assim por diante, a fim de que se compusesse a cesta.
 Em determinado mês, coube ao meu grupo trazer café. Nada poderia ser
 mais simples: um quilo de café, não importava a marca.
 No entanto, a coordenadora nos alertou: “Combinem entre vocês para
 trazerem apenas café em pó ou café solúvel. Porque as pessoas reclamam
 que receberam de um tipo e as outras de outro. Então, melhor que seja
 tudo igual.”
 Por muito tempo, refleti sobre isso. As famílias eram carentes,
 recebiam cestas de alimentos que com certeza supriam suas necessidades
 imediatas. Então por que reclamavam? Afinal, não pagavam nada!
 Um dia, me caiu nas mãos um livro, intitulado “Trapeiros de Emaús”.
 Contava a história de uma comunidade iniciada por um padre, para
 pessoas que eram o que chamaríamos de “Sem Teto”.
 Um trecho me chamou a atenção. O padre contava suas experiências em
 caridade.
 Quando menino, ele costumava acompanhar seu pai que todos os meses,
 doava um dia de seu tempo para atender pessoas carentes. O pai era
 médico, mas como já havia quem atendesse às pessoas nesse setor, ele
 se dedicava a cortar cabelos, profissão que também exercera.
 O menino percebia que embora seu pai executasse seu serviço de graça e
 com amor, as pessoas reclamavam muito. Exigiam tal ou tal corte e às
 vezes quando iam embora, xingavam o pai porque não haviam gostado do
 corte.
 Mas o pai tinha uma paciência infinita, tentava atender ao que lhe
 pediam e jamais revidava as ofensas, chegando até mesmo a pedir
 desculpas, quando alguém não gostava do trabalho que ele realizara.
 Então, um dia, o menino perguntou ao pai por que ele agia assim. E por
 que as pessoas reclamavam de algo que recebiam de graça, que não
 teriam de outra forma.
 “Para essas pessoas, disse o pai, receber é muito difícil. Elas se
 sentem humilhadas porque recebem sem dar nada em troca. Por isso elas
 reclamam, é uma maneira de manterem a autoestima, de deixar claro que
 ainda conservam a própria dignidade”.
 “É preciso saber dar, disse o pai. Dar de maneira que a pessoa que
 recebe não se sinta ferida em sua dignidade.”
 Depois li um livro de Brian Weiss em que ele contava que uma moça
 estava muito zangada com Deus. A mãe dela morrera, depois de vários
 anos de vida vegetativa, sendo cuidada pelos outros como um bebê
 indefeso.

  “Minha mãe sempre ajudou os outros, nunca quis receber nada, não
 merecia isso”, dizia ela.
 Então, ela recebeu uma mensagem dos Mestres:

 A doença de sua  mãe foi uma bênção, ela passou a vida ajudando os
 outros, mas não sabia receber. Durante o tempo da doença, ela
 aprendeu. Isso era necessário para a sua evolução.
 Depois de ler esses dois livros, comecei a entender a atitude das
 pessoas que reclamavam do que recebiam nas cestas básicas.
 Comecei também a refletir sobre essa frágil e necessária ponte entre
 as pessoas que se chama “Dar e receber”.
 Quando ajudamos alguém em dificuldade, quando damos alguma coisa a
 alguém que a necessita, seja material ou “imaterial”, estamos
 teoricamente em posição de superioridade. Somos nós os doadores, isso
 nos faz bem e às vezes tendemos a não dar importância à maneira como
 essa ajuda é dada.

 Por outro lado, quando somos nós a receber, ou nos sentimos
 diminuídos, ou recebemos como se aquilo nos fosse devido.
 E quantas vezes fizemos dessa ponte uma via de mão única?
 Quantas vezes fomos apenas aquele que dá, aparentemente com
 generosidade, mas guardando lá no fundo nosso sentimento de
 superioridade sobre o outro... Ou esperando sua eterna gratidão.

 E recusamos orgulhosamente receber, porque “não precisamos de nada,
 nem de ninguém”...

 Ou porque temos vergonha de mostrar nossa
 fragilidade, como se isso nos fizesse menores aos olhos dos outros.
 E quantas vezes fomos apenas aquele que tudo recebe, sem nada dar em
 troca, egoisticamente convencidos de nosso direito a isso...

 A Lei é “dar com liberalidade e receber com gratidão” ensina São
 Paulo. Que cada um de nós consiga entender as lições de “Dar e
 receber” e agradeça a Deus as oportunidades de aprendê-las.

 Texto de Tania Vernet

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